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Outro dia vi algumas pessoas comentando sobre como o mundo mudou. Ao ouvir tal expressão fixei minha atenção na conversa, primeiro porque queria compreender de qual mundo eles falavam, quer dizer, o mundo no sentido científico? Filosófico, psíquico. Ou o mundo deles? Queria compreender que mundo era esse que tinha mudado.
Foi um momento interessante, estava saboreando uma conversa alheia, que por alguns segundos me levava a companhia da filosofia, que sempre se apresenta atraente. Depois de alguns segundos de devaneios, percebi que o mundo em que falavam, estava relacionado a cidade onde moravam, tratava-se de um mundo particular, pertencia a eles. O assunto em questão era sobre o perigo que tem aterrorizado as cidades: o medo. Que consequentemente nos faz perder a coragem. Segundo a conversa que pairava e tinha me fisgado, as pessoas, nos dias de hoje, andam com muito medo, evitam até sair de casa. A cidade se tornou extremamente perigosa.
O papo balançava minha psique, até então, parecia uma conversa tão simples e descontraída. Pra que fui prestar atenção? A conversa nem era minha. Entretanto, aquelas palavras me levaram a momentos de reflexão. Será que eu me enquadrava naquela situação? Será que, estava evitando sair de casa devido ao perigo que ronda a cidade?
Então, atravessando a nossa conversa (digo nossa porque já tinha me apropriado do assunto), saiu de uma loja de departamentos uma pessoa segurando um aparelho de som, embrulhado em uma caixa. Até aí tudo bem, trata-se de uma prática aparentemente comum nos centros urbanos. Mas, na outra mão, havia uma bengala, e cá entre nós, o tal rapaz não tinha nenhuma característica que o fizesse parecer idoso, e foi possível perceber também, que não havia nenhum tipo de incômodo ou deformidade na perna.
A cena foi chocante (a ponto de eu parar de prestar atenção na conversa que era dos outros e se tornou minha), o rapaz era um deficiente visual. Apesar de não aparentar nenhum tipo de deficiência. E qual o problema de um deficiente visual carregar uma bengala em uma mão e um aparelho de som surround na outra? Nenhum problema. Trata-se apenas de um relato de um fato que presenciei. Quer dizer, todos os dias é possível ver milhões de deficientes visuais com uma bengala na mão, e um aparelho de som novo na outra, saindo de uma loja de departamento, né?
Apesar da surpresa inicial, apareceu em meu rosto, mesmo sem eu mandar, um sorriso (digamos que de vez em quando eles aparecem), fiquei interessado na sagacidade do tal rapaz, pois, anteriormente, o papo era a periculosidade existente na cidade. E ali estava um possível herói? Aquele que desafia as regras construídas por vilões que desejam furtar todas as coisas que conquistamos com muita luta? Essa seria a tal coragem? Confesso, a cena era atípica. O rapaz aproximava-se do sinal de trânsito para atravessar, enquanto isso acontecia, várias pessoas (inclusive eu) observavam sem acreditar. Para alguns era uma audácia. Para mim, um exemplo.
Quantas vezes nos deixamos oprimir, entristecer ou até desistir por uma cegueira passageira? E para aquele rapaz? O que significava? Aparentemente algo cotidiano. Sim, a coragem está por aí. Mas e nós? Temos convicção da quantidade de coragem que existe em nosso “eu”? Sabemos manipular, adequar, e utilizar se for possível essa tal coragem? Hum… De uma maneira geral, e sendo bem realista: “Somos tomados pelo medo”, isso acontece muitas vezes.
Ás vezes ouço alguns dizerem por aí: “Temos que dominar nosso medo”. Me responda, por favor: “Como vamos dominar o medo se temos dificuldade de dominar a nós mesmos?”. Talvez a expressão deficiente combine um pouco mais conosco. Talvez o mundo esteja mesmo diferente. Até quando esperaremos para utilizar os vestígios de coragem que existem em nós? Haverá necessidade de nos tornarmos cegos primeiro? Então, se realmente o mundo estiver mudando. Se, por acaso, você já conseguiu constatar esse fato. Sinceramente, espero que isso não nos deixe menos corajosos.