O Cupido não é tão doce assim

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Cupido

“Cupido alado, arrojado e resistente, que por suas maneiras más, menospreza toda a justiça pública e direito, armado com fogo e flechas, correndo para cima e para baixo durante as noites, de casa em casa, e corrompendo os casamentos legais de todos, não fará coisa alguma, senão o mal.” — Lucius Apuleio, o conto do Cúpido e Psique (final do segundo século dC).

Eu não tinha medo do Cupido quando era uma criança, mas mal sabia eu que ele era um demônio malévolo. No momento em que cheguei a conhecê-lo, em 1970, o lado obscuro do Cupido era irreconhecível, se distanciando muito de quando ele foi pintado como um bebê gordo e risonho por Hallmark e outros grandes artistas Romano-Alexandrinos. Esta dramática transformação do perverso Cupido em um querubim alegre, rosa como um bumbum de leitão e doce como um cordeiro, que espia você próximo ao Dia dos Namorados, com olhos brilhantes no cartão de felicitação da loja local, que rodopia com a sua flecha, desenhado tão gentilmente em uma folha de papel durante a aula de artes da terceira série, tem leve semelhança com a sua manifestação inicial. Ele ainda me parece um pouco atrevido, mas o verdadeiro Cupido era de fato um sociopata.

Foi o escritor romano Lucius Apuleio que trouxe Cupido para a vida em seu antigo livro de fábulas, O Asno de Ouro. O Cupido de Apuleio não era uma criança travessa com asas de beija-flor, mas sim um deus impulsivo que se alegrava em causar estragos sexuais para todas as criaturas terrestres. Mesmo o destemido Apollo refere-se a Cupido como “serpente terrível e feroz”:

“Que voa com asas acima no céu estrelado,

E subjuga cada coisa com o voo de fogo.

Os próprios deuses e poderosos que parecem tão sábios Com poderoso amor estão sujeitos a seu poder.

Os rios negros e mortais inundam de dor

E a escuridão também como escravo a ele permanece.”

A história de Apuleio parece como uma comédia de humor negro do século II. A mãe de Cupido, Vênus, tem ciúmes de uma garota mortal chamada Psique, cuja beleza supera até mesmo a sua própria. Buscando vingança, Vênus recruta seu filho, este portador do mau desejo, para atirar uma de seus terríveis flechas envenenadas na jovem donzela, para que ela cobice a primeira desprezível coisa que ponha os olhos em cima, punindo assim a “beleza desobediente” de Psique com uma atração vergonhosa. “Peço-te sem demora”, diz Vênus suplicante a seu filho Cupido, “que ela possa se apaixonar pela mais miserável criatura viva, o mais pobre, o mais torto, e o mais ordinário, que não possa ser encontrado em outro mundo a não ser o da miséria”.

Cupido invade a casa de Psique numa noite e pretende fazer exatamente isso para sua mãe, mas ele se torna tão apaixonado por Psique que ele acidentalmente pica-se com sua própria flecha envenenada enquanto assistia seu sono. Isto os liga para sempre um ao outro, e leva Psique ao casamento no panteão Romano – e, para dizer o mínimo, uma relação tensa com sua nova sogra.

O amor pode tê-lo salvo no final, mas o Cupido de Apuleio não era tanto um casamenteiro romântico, mais do que isso, era um diabo submetendo pessoas infelizes a uma luxúria tóxica, que os cegou com impulsos hipersexuais. Esta alegoria de um deus caprichoso que perfura corações mortais apenas para sobrecarregá-los com alguma atração escandalosa, por puro tédio, ou como favores a outros deuses, é uma reminiscência da natureza estupidamente fria, quando se trata da sexualidade humana. Indivíduos com os desejos mais depravados têm se encontrado no capricho de fazer algo terrivelmente aleatório.

Texto por Jesse Bering, traduzido por Luciano Junior. Originalmente publicado em inglês no Scientific American.

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