Filosofando: O dia em que o Vento perdeu a Cor

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Vento

No princípio dos tempos o pai de tudo e de todos desceu a terra e resolveu desenhar três filhos. O primeiro chamou de Raio, este, assim que tomou forma subiu aos céus. Raio era bem claro, quando aparecia iluminava todo o ambiente, e de vez em quando sua chegada era um tanto quanto barulhenta, trovejante. O segundo chamou de Rochedo, este, assim que foi concebido começou a rolar, era bem forte e acinzentado, vivia cercado de pedras, seu único defeito era a comunicação. Não tinha nenhuma habilidade com as palavras ou com sentimentos, parecia que seu coração era endurecido, empedrado. O terceiro chamou de Vento. Este, logo que surgiu, saiu pelo mundo afora, andava pelos céus, pelos mares e pela terra. Sentia-se livre. Cada vez que aparecia apresentava uma cor diferente, não era apenas um, era vários.

De vez em quando os irmãos se encontravam. Raio costumava chegar primeiro, descia rasgando os céus e clareando o ambiente, sempre iluminado. Rochedo chegou depois, vinha rolando, e costumava exaltar sua força e apedrejar com algumas palavras. E por último chegou o Vento, sempre suave e tranquilo e envolvido por um tom de cor. Os Irmãos mais velhos tinham o costume de caçoar do Vento. Raio dizia: Olha pra você, qual é a sua cor? Você é indefinido? Às vezes verde, outras amarelo, às vezes preto e outras branquelo. O Rochedo continuava: Você não tem identidade, você tem que ser um só e não vários.

Depois de algum tempo os irmãos encontraram-se novamente. Raio fez questão de chegar logo, entre a claridade e alguns barulhos era fácil o identificar. Em seguida chegou Rochedo, com seu estilo pedregoso. Os dois irmãos sentiram que o Vento estava demorando e começaram a falar mal dele. Nosso irmão sempre está atrasado, disse Raio. E Rochedo continuou: Ele nunca aprende. Então de repente ouviram uma voz familiar: olá irmãos. Os dois se assustaram, estavam sozinhos. Vento é você? Trovejou o Raio. Sim sou eu, disse o Vento, e cheguei primeiro que vocês dois, por acaso não sentiram uma brisa? Como é possível? Onde estão suas cores?, perguntou o Rochedo. Elas ainda estão aqui, respondeu o Vento, e percebi que com cores ou sem cores continuo o mesmo, as cores não me definem. E quer saber mais? Vocês não estão preparados para observá-las, vocês são sempre os mesmos, iguais. Vou mostrá-las apenas quando desejar e pra quem eu achar que merece. E então o vento continuou a voar para todos os cantos deixando apenas aqui e ali um pouquinho de brisa.

Obs: A construção dessa estória está baseada no conceito de Contos Etiológicos (São considerados contos etiológicos os contos populares que foram concebidos para explicar a criação e as características de um ser, lugar ou fenômeno da natureza). O conto foi produzido como uma metáfora para se discutir essa “questão de cor” e possíveis preconceitos que perambulam por nosso país e pelo mundo.

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